quarta-feira, 4 de abril de 2012

Duas imagens


Estas duas imagens superpostas diziam-lhe que sua amiga podia ter tudo dentro de si, que sua alma era terrivelmente amorfa, que a fidelidade podia existir nela tanto como a infidelidade, a traição como a inocência, a sedução como o pudor; essa mistura selvagem lhe parecia tão repugnante quanto a mistura de um depósito de lixo. As duas imagens superpostas apareciam sempre transparentes, uma embaixo da outra, e o rapaz compreendia que a diferença entre sua amiga e as outras mulheres era uma diferença muito superficial, que no mais profundo do seu ser sua amiga era semelhante às outras mulheres, com todos os pensamentos, todos os sentimentos, todos os vícios possíveis, o que justificava suas dúvidas e seus ciúmes secretos; que a impressão de contornos delimitando a sua personalidade não era senão uma ilusão a que o outro sucumbia, aquele que a olhava, isto é, ele mesmo. Ele pensava que essa moça, tal como a amava, não era senão um produto de seu desejo, de seu pensamento abstrato, de sua confiança, e que sua amiga, tal como era realmente, era essa mulher que estava ali, desesperadamente outra, desesperadamente estranha, desesperadamente polimorfa. Ele a detestava.








Milan Kundera in "Risíveis Amores"

Black Keys

Desde que eu ouvi essa banda pela primeira vez, eu pensei: PRECISO TREPAR AO SOM DISSO!
Black Keys, dentro do seu rock (in)comum, aquela voz, aquele balanço, complementaria de uma maneira feroz qualquer sexo!

Pois então, nunca tive essa oportunidade, até fim de semana retrasado.
Arrastei um corpo para minha cama. E não era qualquer um.
Era aquele no qual combinaria com toda aquela cena que eu imaginava.

Entramos no quarto, com aquele cheiro de marofa, adquirida na área de serviço vendo o dia nascer.
Liguei o computador, e já de cara larguei "She's long gone".
E a função começa... aquela pegada, aquele beijo, aquele pau... aquele tesão...
...confesso que deve ter durado umas 4/5 músicas do Black Keys.
Mas não esqueço que o orgasmo chegou na "Lonely Boy"...

Fiquei realizada e ao mesmo tempo voltei à minha realidade.

I got a love that keeps me waiting / I'm a lonely girl (sic)

domingo, 1 de abril de 2012

Pau mole


"Pau Mole" - Maria Rezende*

Adoro pau mole.
Assim mesmo.
Não bebo mate
não gosto de água de coco
não ando de bicicleta
não vi ET
e a-d-o-r-o pau mole.

Adoro pau mole
pelo que ele expõe de vulnerável e pelo que encerra de possibilidade.

Adoro pau mole
porque tocar um pressupõe a existência de uma intimidade e uma liberdade
que eu prezo e quero, sempre.

Porque ele é ícone do pós-sexo
(que é intrínseca e automaticamente
- ainda que talvez um pouco antecipadamente)
sempre um pré-sexo também.

Um pau mole é uma promessa de felicidade sussurrada baixinho ao pé do ouvido.

É dentro dele,
em toda a sua moleza sacudinte de massa de modelar,
que mora o pau duro e firme com que meu homem me come.


*Poeta, dizedora e autora de Bendita Palavra

Sexta-feira

Sexta-feira

Sexta-feira à noite
Os homens acariciam o clitóris das esposas
Com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas
A vida dos seus ídolos.
Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.
Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.



 (Marina Colasanti)